quinta-feira, 24 de setembro de 2020

''O que vocês não deixam as pessoas verem ?''

 

E ai, vamos bater um papo?

‘’O que vocês não deixam as pessoas verem?’’. Esta é uma frase do documentário The mask you live in, segundo documentário escrito, produzido e dirigido por Jennifer Siebel Newsom, e sendo exibido pela Netflix. As reflexões propostas pelo documentário em torno de como a constituição da masculinidade e a perpetuação dela ocorre em nossa sociedade desde a infância e adolescência. A proposta abordada torna-se ainda mais interessante ao nos deparar como esses homens, especialmente jovens, são lesados da sua constituição de identidade. 

Se caso você se identificar quanto ao gênero masculino e estiver lendo este texto, proponho que faça alguns exercícios de reflexão: Você se recorda da primeira vez que ouviu ‘’seja homem, pare de chorar’’? Em quais momentos você não se sentiu homem o suficiente? Aliás, o que é ser um homem? E uma pergunta ainda mais íntima, quais são suas maiores referências masculinas e por quê? Você teria coragem de olhar para sua máscara da masculinidade e ver o que o que ela esconde? Se caso você não se identificar quanto ao gênero masculino te proponho também a uma reflexão ‘’O que é ser homem?’’. 

Refletindo sobre como nossa sociedade se constitui com base na masculinidade, que aliás são múltiplas e estamos cercados por elas a todo momento, o exercício dessas reflexões não devem limitar-se aos indivíduos desse gênero. Estamos cercados por nossos amigos, pai, filho, marido, tio, colega de trabalho/faculdade. Eles são sujeitos de memórias, então deve ser motivado a eles encará-las, senti-las e externá-las para então daí pensar em uma (re)construção de sujeitos. Como diz um amigo, homens não são ensinados a falar sobre sentimentos, muito menos olhar para eles.

O caminho para a compreensão da performance de um corpo negro e sua masculinidade deve ser visto para além de um objeto de estudo, ele deve ser visto como um local de existir. Então, como eu uma mulher negra interajo juntamente com as mobilizações sociais das masculinidades negras ao meu redor? Quais linguagens me foram ensinadas e aquelas que eu construí para me relacionar com estes sujeitos? - sujeitos estes que tem humanidade e identidade violadas em diversas instâncias. Quais expectativas estas são colocadas acima destes corpos, dessas masculinidades não hegemônicas? 

Por fim, um projeto de extensão como este idealizado para atuar nas escolas públicas de Juiz de Fora, teria como uns dos objetivos em um encontro presencial a exposição dessas memórias desses estudantes, (estudantes que se vem como meninos ou como homens a propósito), promover um diálogo, um espaço de acolhimento e talvez um espaço tempo para repensar essas máscaras. 

 

talvez: termo para demonstrar a intenção de promover reflexões, possibilidades de encaminhamentos

 

Indicação de materiais 

Documentário The Mask You Live in, exibido pela Netflix. 

Música: SANT - O que separa os homens dos meninos 

Artigo produzido pela Ludmila Pereira de Almeida: Corpos diaspóricos e masculinidades negras: Uma leitura de Todo mundo odeia o Chris a partir da decolonialidade. <http://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/631/341>

Artigo produzido pela Miriam Gomes Alves: Jovens negros: representações das culturais juvenis, relações de poder e masculinidades negras presentes na escola. <https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/resources/anais/8/1538357310_ARQUIVO_ARTIGOFINAL.pdf>




 

 



terça-feira, 1 de setembro de 2020

Cruz e Sousa




A escrita e os textos permitem variadas expressões tanto ao leitor, quanto ao escritor.
E no meio da comunidade negra isso não é diferente, temos uma gama de escritores extremamente talentosos e um  enorme número de leitores que anseiam por conhecimento, representatividade e entretenimento.



Em 1861, no dia 24 nascia um dos maiores nomes do simbolismo, João Da Cruz e Sousa.

Filho de ex-escravos ficou sob a proteção dos antigos donos de seus pais, após receberem alforria. Por conta disso recebeu uma educação acadêmica de alto nível no Liceu previdencial de Santa Catarina, adquiriu o sobrenome "Sousa" que é advindo de seu ex-patrão que demonstrava certa gratidão aos pais do escritor.



Mesmo obtendo alguns privilégios a mais do que a maioria dos negros da época, João sofreu inúmeras represálias e lidou ferozmente com o racismo, que naquele tempo era muito mais evidente e caótico.



Sua inclinação para artes, línguas e literatura, possibilitaram a ele agregar uma série de conhecimentos que em pouco tempo trouxeram bons frutos, ele trabalhou como escritor no jornal abolicionista ''Tribuna Popular", além de ter sido diretor do mesmo.



Sua capacidade intelectual era aguçada, e com toda certeza era extremamente competente, quase chegou a ser promotor público em Laguna SC, porém foi impedido devido as represálias racistas da época.



Anos depois se mudou para o Rio de Janeiro, onde foi colaborador do jornal "Folha Popular" e das revistas "Ilustrada" e "Novidades''. Suas participações na maioria das vezes dentre esses folhetins se dava por pautar racismo e preconceito racial, seus posicionamentos eram pontuais e relevantes já que o próprio passava por situações de preconceito diariamente.



Ainda no Rio de Janeiro, casou-se com Gavita Gonçalves, com quem teve 4 filhos, infelizmente todos tiveram um fim precoce já que foram acometidos da tuberculose, doença gravíssima naquele tempo. Rodeado da tristeza, solidão e escuridão Cruz e Sousa começou a expressar seus sentimentos e sensações em meio aos poemas de sua autoria.


Suas obras ficaram marcadas pela musicalidade, subjetivismo, individualismo, pessimismo, misticismo e espiritualidade. Um conjunto de sentimentos que representavam sua vida e realidade, principalmente no presente momento de tantas perdas.



Acometido também pela tuberculose, o poeta se mudou para Minas Gerais, na cidade de Curral Novo, onde buscava por uma melhoria na saúde. Mas já era tarde visto que além da doença, seu emocional e saúde mental já estavam bem prejudicadas, além do grande histórico de preconceito vivido e grandes perdas, o ilustre "Dante Negro" faleceu prematuramente aos 36 anos.



Apesar da morte prematura, Cruz e Sousa deixou um extenso legado, e se tornou um dos nomes mais importantes do simbolismo, além disso foi um dos precursores de discursos abolicionistas. Todos esses feitos foram conquistados com muito esforço, persistência e coragem.


Ser um negro de sucesso pode ser difícil e árduo, mas não impossível.

Confira a baixo uma das obras do poeta :
LIVRE


Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
-Yago Neves



Referencias:



Disponível em : <https://www.todamateria.com.br/cruz-e-souza/> Último acesso 27/08/20.